quarta-feira, 14 de julho de 2010

E DE NOVO A ARMADILHA DOS ABRAÇOS

Rosa Lobato Faria

E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos

terça-feira, 13 de julho de 2010

CANÇÃO DA PLENITUDE

Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força -- que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés -- mesmo se fogem -- retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

VERGONHA

Gabriela Mistral

Se tu me olhas, eu me torno formosa
como a erva a quem desceu o orvalho,
e desconhecerão minha face gloriosa
as altas canas quando baixe o rio.
Tenho vergonha de minha boca triste,
de minha voz rota, de meus joelhos rudes;
agora que me olhaste e que vieste,
me percebi pobre e me toquei desnuda.
Nenhuma pedra no caminho achaste
mais despida de luz na alvorada
que esta mulher a quem levantaste,
porque ouviste seu canto, o olhar.
Eu me calarei para que não conheçam
minha ventura os que passam pelo campo,
no fulgor que há em minha face tosca
e no tremor que há em minha mão...
É noite e desce à erva o orvalho;
olha-me fundo e fala-me com ternura,
que de manhã, ao descer ao rio
a que beijaste levará formosura!

domingo, 11 de julho de 2010

RAPARIGA

HERMAN DE CONINCK

Tu própria, que podes ter a noção e ao mesmo tempo
o atrevimento de simplesmente expor
de vez em quando uma opinião
ou um seio: quando começa isso,

e no fundo quando acaba? As mulher
essão feitas de raparigas, aos quarenta
ainda deitam a língua de fora como aos quinze,
ficam cada vez mais jovens,

não sabem não seduzir. Como a poesia:
um gato que prudentemente caminha sobre as teclas
de um piano e olha para trás:
ouviste? viste-me?

Ah, o ar jovem das raparigas de quarenta,
como umas vezes querem, e outras não,
mas afinal sempre, se repararmos bem.
Onde estão os bons velhos tempos? Estão aqui, esses tempos.

sábado, 10 de julho de 2010

Hino ao Amor

Susana Silva

De olhar fixo no pensamento, viajei ao imaginário
Perdi-me no tempo, nas memórias…
Percorri e atravessei a trilha das almas
Ouvi sons de passos que não dei…
Despertei com o estalar do fogo, fogo que só tu sabes atear
O calor que me invade o corpo, envolve-me e unifica-me…
Aumenta em mim uma chama difícil de conter ou dominar
Sinto nascer em mim a sede insaciável…
Desejos secretos não acessíveis a todos os olhares
Envolvida por águas revoltas e macias
Reconheço a ternura das tuas emoções
Embalada pela dor penetrante de um ardente encontro
Sinto-me abraçada pelo som orquestrado de uma pintura com vida
Ouvem-se os ecos da passagem…
Murmúrios audíveis de um grito inquieto
Passível de inflamar as almas
Resgate do amor eterno
Na tela e na vida, atravessei o arco-íris.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

TEPORE

Andrea Mucciolo



Una bambina
vuole toccare il sole.
L’annullamento della bontà
non ha oscurato
il suo paradiso di speranze.
Il drappo dell’orco
non è arrivato
a lambire le ferite
del suo ego.
Bambole piangono
concimano
dove il fiore è esanime.
Rinasceranno arcobaleni
della Nuova Era.


La bambina
non può toccare il sole,
ma tende la mano
e aspetta
che il tepore della vita
la prenda con sé.



TIBIEZA

Una niña
quiere tocar al sol.
La anulación de la bondad
no ha oscurecido
su Paraíso de esperanzas.
El paño del ogro
no ha llegado a
lamer las heridas
de su ego.
Unas muñecas lloran
abonan
donde la flor es exánime.
Renacerán unos arcoiris
de la Nueva Era.

La niña
no puede tocar al sol,
pero extende la mano
y espera
que la tibieza de la vida
la traiga consigo.

tradução de Tiziana Iaccatino

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Nomeei-te no meio dos meus sonhos

Ruy Belo

Nomeei-te no meio dos meus sonhos
chamei por ti na minha solidão
troquei o céu azul pelos teus olhos
e o meu sólido chão pelo teu amor

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Heleno e João (Atração interpessoal)

Galdino Moreira Neto (1976)

Helena e Joana
Sempre juntas

Sentem a cada dia
Que se passa

Emoções e concordâncias

Íntimas

Uma no coração da outra.

terça-feira, 6 de julho de 2010

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

Mario Quintana

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Há palavras que nos beijam

Alexandre O’Neill

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

domingo, 4 de julho de 2010

Acrobacias

Ana Paula Inácio

sentados em Trafalgar Square
no intervalo de amigos
com o tempo entre as mãos
treinávamos o nosso inglês
num inquérito de revista
com Francis Bacon na capa
que perguntava:
qual dos membros
- superiores ou inferiores -
preferíamos perder
(esta ablação em língua estrangeira
tornava-se indolor, quase anestesiada)
respondeste: os braços
as pernas conservá-las-ias
como a liberdade de poder andar
respondi: as pernas
não queria ver-me
impedida de abraçar.
Assim juntando as nossas
perdas
eu abraço-me a ti
e peço-te anda, mostra-me o mundo
e quando nos cansarmos
abraçar-me-ás, então, com as pernas
e eu
andarei com os braços.

sábado, 3 de julho de 2010

Plano

Nuno Júdice

Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a respItálicoosta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

No teu rosto começa a madrugada

Eugénio de Andrade





No teu rosto começa a madrugada.
Luz abrindo,
de rosa em rosa,
transparente e molhada.

Melodia
distante mas segura,
irrompendo da terra,
quente, redonda, madura.

Mar imenso,
praia deserta, horizontal e calma.
Sabor agreste.
Rosto da minha alma.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Como uma flor incerta

Sophia de Mello Breyner Andersen

Como uma flor incerta entre os teus dedos
Há a harmonia dum bailar sem fim,
E tens o silêncio indizível dum jardim
Invadido de luar e de segedos.
Nas tuas mãos trazias o meu mundo.
Para mim dos teus gestos escorriam
Estrelas infinitas, mar sem fundo
A nos teus olhos os mitos principiam.
Em ti eu conheci jardins distantes
E disseste-me a vida dos rochedos
E juntos penetrámos nos segredos
Das vozes dos silêncios dos instantes.